Facebook, Instagram e grupos de whatsapp aumentaram exponencialmente as chances de nos envolvermos em conflitos. Antes das mídias sociais nós vivíamos sem tanto acesso a opinião de outras pessoas. Hoje, você corre diariamente o risco de ser surpreendido por posts e comentários dos seus familiares que fazem você pensar “meu Deus, eu não sabia que essa pessoa pensava assim! E ele é meu primo!”
Há quem tema os encontros de fim de ano. Afinal, já rolaram vários climões no grupo do whatsapp da família ao longo do ano, e você sabe e inevitavelmente algum assunto polêmico como política, futebol ou religião podem vir à tona.
Eu acho que assuntos como esses devem ser discutidos sim, sempre! O problema é como discutimos. Nesse artigo quero falar sobre algumas dicas que aprendi atuando com Comunicação Não Violenta, espero que elas permitam melhores conversas.
Escutar para responder vs escutar para compreender
Um bom sinal de que sua discussão não vai dar em lugar nenhum é quando as pessoas que estão discutindo estão falando ao mesmo tempo. Se você perceber que isso está acontecendo, silencie. Deixe a pessoa falar. Mas mais importante: perceba como você está escutando. Muitas vezes nós estamos somente quietos já pensando na resposta. Isso não é escutar. O importante aqui é escutar para compreender, por mais que o que a pessoa esteja falando soe absurdo para você. Preste atenção no que a pessoa diz. O que ela sabe, viu e acredita que fundamenta essa opinião? Quais são os receios que ela tem de as pessoas pensarem de um jeito diferente desse que ela acredita ser o melhor? Essa postura vai te ajudar a conseguir fazer o próximo passo.
Reconhecer um ponto de vista não é concordar com ele
Se você tem uma opinião absolutamente diferente da opinião do outro, você precisa tentar aumentar suas chances de ser escutado. Para isso, é importante você reconhecer que compreendeu o que a pessoa falou. Por exemplo, esses dias eu estava conversando sobre o caso William Wack com uma pessoa. Ela acha um absurdo que ele tenha sido afastado da Globo. Eu não acho. Mas, antes de falar todos os meus argumentos, tentei mostrar para ela que eu entendia o porquê dela pensar assim. Dentro do contexto e da visão dela de mundo, os argumentos faziam sentido. Eles não fazem sentido para mim porque tenho outra visão de mundo. Marshall Rosenberg chamava isso de aposição, ou seja, “nós concordamos que discordamos”. Em seguida, falei meus argumentos. Quando você deixa a outra pessoa falar e demonstra que compreendeu o que ela disse, a chance dela te deixar falar e tentar te compreender aumenta. Não se trata de um método infalível. Às vezes , a pessoa está tão mexida com o que está sendo discutido que você precisa deixá-la falar muito até que possa te escutar. A ideia aqui é você configurar um tom de compreensão para conversa.
Seu alvo deve ser as ideias, não as pessoas.
Na hora de expor seus argumentos, é muito importante argumentar a ideia em vez de atacar a pessoa. Principalmente se você estiver discutindo com alguém da sua família. Essa pessoa espera que você se importe com a relação de vocês, por mais agressiva que ela esteja sendo. Por isso, na hora que for sua vez de falar, evite os rótulos, não diga “você está sendo machista”, “você é uma feminazi”, ou “você é um racista”, por mais que na sua cabeça a pessoa seja tudo isso mesmo. Esses são argumentos vazios, quer dizer, esses nem são argumentos. O que você quer com essa discussão? Ganhar um inimigo? Fazer com que a pessoa tenha ainda mais intolerância ao discutir o tema? Não, né? Você quer que ela esteja aberta para compreender a sua visão de mundo do assunto, por isso, pesquise sobre os temas que são importantes para você para ter argumentos sensatos.
Ninguém gosta de ser menos importante que a situação
Quando alguém discorda da gente, a chance de nos sentirmos envergonhados é grande. Não porque tenhamos vergonha das nossas opiniões, mas sim porque estamos sendo expostos a uma situação de vulnerabilidade. Uma sobrinha de 20 anos que discorda do tio de 60 em uma mesa de jantar está expondo esse tio a uma situação desconfortável. Na cabeça dele, pode ser que ele ache que o que ele fala deveria ser respeitado e pronto. É importante termos consciência dos lugares que cada pessoa ocupa na família e das expectativas delas em relação aos outros. Nesses casos, um pouco de polimento não faz mal a ninguém, ao invés de bater de frente vale a pena mostrar no meio da discussão que você preza pelo clima familiar. Você pode fazer isso dizendo algo do tipo : “olha tio, eu discordo do senhor, mas eu não quero que fique uma situação chata para gente. Você quer continuar conversando aqui agora ou prefere que a gente fale depois só nós dois?”
Se você é uma sobrinha de 20 anos, a chance da sua família te enxergar como uma jovem rebelde logo no seu primeiro comentário divergente é alta. Acho que você teria mais chances de ser escutada se eles te enxergarem como uma mulher jovem que respeita e se importa com o clima familiar mas que tem opiniões diferentes e sabe colocá-las de maneira sensata.
Não ache que a pessoa vai mudar de ideia nessa conversa
Isso pode ser bem difícil de colocar em prática, pois pode ser que o que você discorda seja próprio dessa estrutura familiar. Dessa obrigação de respeitar os mais velhos, mesmo que eles digam coisas absurdas, ou de uma estrutura machista que faz com que os homens da família se sintam afrontados ao menor sinal de que uma mulher discorda deles. Sim, é dureza sentir que não se tem lugar de fala por conta de uma estrutura familiar opressora. Mas minha proposta aqui é de que é possível você construir seu lugar de fala na família.
Percebo que isso acontece ao longo do tempo, a medida que você impõe limites e também se mantém aberto ao diálogo. Isso não se faz em uma conversa, mas ao longo de vários encontros familiares
Às vezes saímos desolados de uma conversa polêmica porque achamos que a pessoa não mudou de opinião ou não concordou com nada do que dissemos. Temos essa urgência de trazer mais gente para o “nosso lado da força”. Calma, confia no processo. Se você utilizou os passos acima, pode ter certeza que alguma coisa a pessoa escutou. Mas como eu disse, quando discutimos com alguém, discutimos com a versão envergonhada da pessoa. E quando estamos envergonhados , não damos o braço a torcer mesmo.
Mas pode ter certeza que alguma coisa ali ficou. E se você escutou de verdade, alguma coisa ficou em você também. Um novo ponto de vista ou pelo menos você se enriqueceu sabendo dos argumentos que pessoas diferentes tem. Para próxima conversa , você já saberá reconhecer melhor o ponto de vista dos outros.
Quando as discussões envolvem família é normal que a gente fique mais exaltado. Isso porque temos expectativas altas em relação a nossos familiares. Principalmente quando o assunto envolve visões de mundo. A família é um grupo que nos foi dado pertencer sem que tivéssemos escolha. Podemos passar uma vida querendo fazer com que essas pessoas se adaptem até que sejam um grupo que nós gostaríamos de fato de pertencer. Para isso, eles precisam ser mais parecidos com a gente. Mas isso tudo é uma baita frustração. Então, é importante separar o joio do trigo, o que é uma frustração familiar nossa e o que são convicções de mundo que não abrimos mão de dialogar sempre que tivermos oportunidade.
Que a gente aceite a frustração de nem sempre termos ao nosso lado as pessoas que gostaríamos de ter, até porque nem sempre nós mesmo somos capazes de ser as pessoas que gostaríamos de ser. E que no meio do caminho dessas tentativas de sermos mais felizes e aceitos, sejamos pessoas que sustentam espaço para o diálogo.
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