12 segundos de escuridão

Existe um vilarejo escondido no Uruguai chamado Cabo Polônio. Ele fica localizado a 400 km de Montevideu e é um roteiro para poucos, mas capaz de surpreender um experiente viajante. O nome da cidade é uma homenagem a Joseph Polloni, o capitão de um barco que, como muitos outros, naufragou na região.

Polônio abriga apenas 60 moradores e a região está ligada a uma faixa de areia densa

rodeada de dunas que já foram habitadas por uma tribo de índios no século 16. Para chegar lá, o trajeto é de cinco horas. E geralmente é feito de barco. Só que a força das águas ali encanta e assusta ao mesmo tempo. Até o navegador mais destemido fica atento. Por isso a região foi chamada de ‘Inferno dos Navegantes’.

Houve uma época em que ao passarem por aquela área, os navegadores entravam em pânico ao verem as bússolas sem direção girando descontroladamente. Dizem que o melhor horário para se navegar em Polônio é à noite. O espetáculo fica completo se a noite for de Lua Cheia, já que o local não tem luz elétrica, e a escuridão é total.

Sua única iluminação artificial é a luz do farol, localizado entre as praias Norte e Sul. Ao anoitecer, a península fica em total escuridão por 12 segundos. Tempo que a luz do farol demora para dar uma volta completa.

Durante sua passagem pelo lugar, o artista uruguaio Jorge Drexler criou um álbum chamado ’12 segundos de escuridão’. A música que leva o título do álbum traz, além de poesia, um grande ensinamento para todos que passam por momentos conturbados, ou seja, momentos de crise no qual dificilmente conseguimos enxergar uma luz e ficamos céticos em acreditar naquela história dos mais otimistas de que “do latim, o momento de crise é momento de oportunidade”

Quando Drexler entendeu como os faróis que guiavam aqueles navios no meio das tormentas funcionava nítido para ele que eram necessários 12 segundos entre o raio de luz e a escuridão total. Ele, enxergou uma metáfora muito bonita nisso. Fazendo um paralelo com sua própria vida, percebeu que estava habituado à fama e a exposição, mas que precisava muito de momentos de internalização onde não ficasse exposto, onde tivesse reflexões. E só com esses momentos integrados à sua vida, conseguiria que os raios de luz tivessem o mesmo efeito.

Em alguns minutos mágicos aquela figura arquetípica do farol o fez perceber que ele tinha que se dar o direito dos 12 segundos de escuridão. Que eles precisavam fazer parte da sua vida, assim como o farol precisa desse intervalo para guiar o viajante.

Drexler percebeu que eles eram guiados pelo ritmo, e não pela luz. E que um farol acesso sem cessar os cegaria ao invés de ajudá-los.

Seria possível que houvessem momentos de luz em sua vida, se não houvessem os de escuridão?

“Um farol quieto não seria nada

Guia, enquanto não deixe de girar

Não é a luz que importa de verdade

São os 12 segundos de escuridão

Para que se veja desde alto mar

De pouco serve ao navegante

Que não saiba esperar

Pé atrás de pé

Não há outra maneira de caminhar

A noite do cabo

Revelada num imenso radar

Um farol para, somente de dia,

Guia, enquanto não deixei de girar

Não é a luz que importa de verdade

São os 12 segundos de escuridão”

 

O momento de crise é um belo convite para irmos de encontro com a gente mesmo.

Como podemos nos guiar pela luz, se não vivenciamos aqueles instantes em que não enxergamos um palmo diante do nosso nariz?

Porque essa constante busca de um farol aceso o tempo todo? Não seriam necessárias as crises, as tempestades, os momentos onde temos medo, para que entendemos o que os instantes de luz têm a nos mostrar?

Existem momentos onde nos encontramos em regiões como a do Inferno dos Navegantes. Sabemos que, para chegar lá e contemplar aquele espetáculo, temos que passar por uma turbulenta viagem. Durante a viagem, as bússolas internas não vão funcionar. Porque, mesmo que estejamos profundamente conectados com nós mesmos, em alguns momentos não conseguimos identificar para qual caminho devemos seguir.

E aí que precisamos aceitar a crise e ao invés de rejeitá-la respirar fundo e se perguntar:

 

Qual é a mensagem que você me traz?

Esses momentos sagrados de confusão, representados pelos 12 segundos de escuridão, podem ser benéficos, porque então compreenderemos a necessidade de caminhar em uma direção. De seguir a luz do farol. De pedir uma ajuda externa, num momento onde nossa bússola interna não esteja conseguindo nos guiar noite adentro.

Talvez o amadurecimento seja muito solitário. Porque é difícil admitir que não estamos felizes. Mesmo que estejamos em época de crise, onde todos só reclamam, a grande onda do momento é procurar a felicidade. E as pessoas acreditam que essa busca seja simples como levantar, fazer Ioga, tomar um bom café e sorrir para o espelho.

Existem desafios internos muito maiores. E eles fazem parte da vida. Todos temos luz e sombra, e nossos lados sombrios precisam ser aceitos para que sejam incorporados à nossa personalidade. Não podemos negar nossa sombra. E aceitá-la faz parte do processo de autoconhecimento. É uma das coisas que devemos fazer antes de olhar para o que queremos.

Enquanto não enxergamos nossa sombra, projetamos ela no outro. Culpamos o outro, julgamos e criticamos quem nos rodeia, porque enxergamos nestas pessoas tudo aquilo de ruim que temos dentro de nós e não conseguimos admitir.

Quando fazemos uma crítica, por menor que seja, deveríamos parar e observar dentro de nós porque nos afinamos em sintonia com aquele quem criticamos.

A sombra é um dos mais famosos ensinamentos de Carl Jung, e também um assunto que continua em estudo. Existe um livro chamado “Efeito sombra”, de Deepak Chopra e Marianne Williamson, que explica de forma bem didática sobre essa facilidade que temos em não reconhecer nossa sombra em nós.

Isso porque quando crianças, sentimentos foram instalados em nós quando tentávamos reprimir ou esconder algo de nossos pais. “Engole esse choro”, “Seja forte”, por exemplo, que impedia que evidenciássemos nossa fragilidade.

Só que essas crianças cresceram e aprenderam, por exemplo, que ser frágil é ruim.

Que temos que ser fortes o tempo todo. Ninguém quer ser visto de maneira negativa pelos outros. Por isso as pessoas enchem o Facebook com o seu melhor. Como se vivessem só momentos felizes, como se a vida fosse perfeita 24 horas por dia.

E você lá, do outro lado, acaba acreditando naquilo e se sente desconectado. Poxa, como todo mundo se sente bem e eu não?

A verdade é, como diz Jout Jout, uma youtuber muito engraçada que faz piada da própria sombra, as pessoas colocam máscaras sociais o tempo todo. Ninguém semostra como realmente é.

Ninguém gosta de admitir que errou, que tem defeitos e crises. Por isso o nosso ego faz com que nos protejamos de alguma forma.

O ego coloca toda a sujeira pra debaixo do tapete persa novinho.

E aí que está o grande pulo do gato.

Aquele artista que fez um álbum completo sobre os 12 segundos de escuridão se deu conta de que estar sempre em evidência, dando entrevistas, mostrando seu melhor sorriso, era cansativo. Ele precisava ser ele mesmo. Precisava se recolher. Não queria só mostrar o lado bonito das coisas.

Então, num álbum onde despejou tudo isso, ele teve a coragem de expor toda a sua sombra de uma só vez. E foi a sua cura, como ele mesmo diz em entrevistas.

Reconhecer que precisava da escuridão para caminhar, que seria bom falar da própria escuridão, e que talvez ela servisse para que outras pessoas entendessem que não estavam sozinhas em suas inadequações, o fez mais forte. E quando ele integrou aquela escuridão à sua vida, ele conseguiu vencer a própria sombra e enfrentar um momento ruim.

É raro encontrar pessoas com coragem de mostrar a insatisfação, o medo, a fraqueza. E isso pode ser prejudicial, principalmente no mundo do coaching onde é tentador colocar a máscara do Tonny Robbins antes de sair para trabalhar…

Sejamos verdadeiros, seus 12 segundos de escuridão podem ser tão importantes quanto seus 12 segundos de glória.

 

por Carolina Nalon

Olá! Meu nome é Carolina Nalon e sou uma eterna inquieta que acredita que o mundo precisa de mais autenticidade e empatia. Espero que você encontre muita inspiração nas linhas e vídeos do meu blog. Se quiser saber mais sobre o que eu faço, visite a aba "projetos" desse site ou acesse: tiecoaching.com.br

One thought on “12 segundos de escuridão

  1. Maria Amélia says:

    Querida… Ahoo!!! Que delícia te ler… foi como olhar em silêncio no seu olhar… :)…
    12 segundos de Escuridão… uau…. sinceridade, sem palavras, na verdade, permitindo-me estar ‘presente’ nestes ’12 segundos’…
    Gostaria de saber mais sobre o Cabo Polônio, sobre o artista uruguaio Jorge Drexler… tem alguma referência pra me passar? Grata!

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